A análise do STE à Proposta de Orçamento do Estado para 2020 remetido à Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República
O Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado e Entidades com Fins Públicos (STE), vem, nos termos da lei, exercer o direito de apreciação da proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2020.
- Disposições relativas à Administração Pública
1.1. Art. 15.º – quadro estratégico para a administração pública
O enunciado carece de explicitação. A modernização do Estado e da Administração Pública é essencial para uma Administração de futuro com trabalhadores motivados e ao serviço dos cidadãos e empresas.
Neste sentido, para além das medidas previstas no n.º 2, é essencial que do plano plurianual conste:
a) a revisão de carreiras:
1. não revistas: técnicos superiores da saúde, técnicos de diagnóstico e terapêutica, informática, investigação científica, administração hospitalar, inspeção de jogos, condições de trabalho (ACT), segurança social.
Este é um encargo do Governo que nos termos do art.º 101.º da Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações (Lei n.º 12-A/2018, de 27 de fevereiro) mantido em vigor pela al. c) do n.º 1 do art. 42.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho) tinha 180 dias para proceder à revisão.
2. revistas em 2009 que se encontram completamente desajustadas da realidade.
Neste grupo não podemos deixar de destacar a carreira geral de técnico superior. Através da avaliação de desempenho por via do SIADAP, um técnico superior que obtenha sucessivos ‘desempenhos adequados’ necessita de 10 anos para conseguir progredir para a posição remuneratória imediatamente seguinte à que se encontra, implicando assim 120 anos de trabalho para alcançar o topo da carreira. Identicamente, imaginando um trabalhador que obtenha sempre ‘desempenhos relevantes’ necessitaria de 72 anos para alcançar o topo da carreira e, mesmo levando o exemplo ao extremo, um trabalhador com sucessivos ‘desempenhos excelentes’ ao longo de toda a sua carreira, nem assim conseguiria alcançar a última posição antes de atingir a idade legal para a reforma, pois necessitaria de 48 anos de exercício em funções. O mesmo se passa com outras carreiras e estrutura com igual número de níveis remuneratórios.
b) Revisão da Tabela Remuneratória Única (TRU) que, não tendo qualquer atualização desde 2009, se encontra completamente desajustada, nomeadamente pela sucessiva atualização da remuneração mínima mensal garantida. É por isso essencial que mantendo o princípio de proporcionalidade que esteve na base da sua criação se reveja, no corrente ano, a TRU. Uma atualização de 3% será da mais elementar justiça.
A este propósito importa ter em consideração que na última década, com exceção de 2019, as remunerações do trabalho do setor público têm consecutivamente vindo a apresentar uma evolução menos positiva do que no privado. Para 2020, prevê-se uma desaceleração das remunerações do trabalho do setor público para 3,6% (4,0% em 2019); compensado por um crescimento de 3,8% para o setor privado (3,7% em 2019).
Este ponto é, aliás, um dos problemas atuais da Administração Pública para ser resolvido, visto que ossalários do setor público encontram-se muito desajustados da realidade, sobretudo para o desempenho de tarefas especializadas. A Administração Pública terá muita dificuldade em conseguir o rejuvenescimento dos mapas de pessoal e atrair os mais qualificados com base em baixos níveis remuneratórios.
A Administração Pública precisa dos mais jovens e mais capacitados. Só assim a Administração Pública poderá criar valor na prestação de serviço público para os cidadãos e para as empresas.
A não ser assim, os jovens mais qualificados continuarão a procurar fora do país novas oportunidades com carreiras mais aliciantes.
Fontes: INE até 2018. P/ 2019 e 2020, OE-2020, Dez/19.
2.2. Art. 23.º – incentivos à inovação na gestão pública
Os incentivos à inovação na gestão pública apareceram pela primeira vez no art. 24.º da Lei do Orçamento de Estado para 2018, no mesmo ano em que se iniciou o pagamento faseado das reposições remuneratórias.
Na sequência deste preceito foi aprovada a Portaria n.º 186/2018, de 27 de junho, que estabelece o Sistema de Incentivos à Inovação na Gestão Pública (SIIGeP). Posteriormente foram publicados:
a) Despacho n.º 8322/2018, de 27 de agosto, que criou a equipa de de coordenação para acompanhamento, aplicação e a avaliação do sistema;
b) Despacho n.º 6869/2018, de 17 de julho que a aprovação do regulamento de candidatura ao desenvolvimento de projetos experimentais nos domínios da inovação na valorização dos recursos humanos, na melhoria dos ambientes de trabalho e nos modelos de gestão da administração pública;
c) Despacho n.º 10573/2018, de 15 de novembro que estabeleceu os requisitos de formalização de candidatura aos prémios para projetos inovadores na gestão.
Da criação destes incentivos que se sabe foram atribuídos, não conseguimos aceder ao conteúdo dos projetos e quais os prémios que cada um deles obteve.
A este propósito, importa relembrar que na Administração Pública a atribuição de prémios de desempenho já se encontra prevista nos arts. 166.º e seguintes da LTFP. Esta atribuição está dependente da afetação de verbas pelos serviços e nada na Lei impede que este regime seja cumulado com o regime de incentivos.
Por uma questão de transparência e motivação dos trabalhadores consideramos relevante que os critérios que determinam a atribuição sejam conhecidos, permitindo a universalidade do acesso. Pelos mesmos motivos, os respetivos resultados devem ser também objeto de publicitação.
Ora, atendendo a que os incentivos à inovação na gestão pública têm implicações remuneratórias, devem os mesmo ser objeto de negociação com as associações sindicais, tal como resulta da al. f) do n.º 1 do art. 350.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho).
A inovação na Administração Pública é essencial mas não pode ser apanágio só de alguns.
- Das restantes medidas do Orçamento do Estado
3.1. Art. 3.º – Utilização condicionada das dotações orçamentais
Mantêm-se as cativações orçamentais nos mesmos moldes estabelecidos no Orçamento do Estado para 2019.
Importa clarificar e referir de forma expressa que as receitas do Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P. (ADSE), integralmente constituídas pela quotização dos beneficiários titulares, ficam excecionadas das cativações.
3.2. Art. 273.º – Alteração ao Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro – Estabelece o funcionamento e o esquema de benefícios da Direcção-Geral de Proteção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE)
Em primeiro lugar, importa referir que a presente alteração ao Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro não foi objeto de negociação com as organizações sindicais, o que sempre deveria ter ocorrido. De facto, a al. m) do n.º 1 do art. 350.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas determina que são objeto de negociação coletiva as matérias referentes ao regime de proteção social convergente. Igualmente esta proposta de alteração deveria ter sido objeto de pronúncia pelo Conselho Geral e de Supervisão da ADSE, nos termos da al. c) do n.º 4 do art. 14.º do Decreto-Lei n.º 7/2017, de 9 de janeiro.
Esta questão é tanto mais gravosa se tivermos em consideração que as alterações introduzidas são claramente lesivas dos interesses dos beneficiários, transferindo para os beneficiários uma responsabilidade que não pode ser sua. De facto:
- Não pode o beneficiário ser responsabilizado pelo hipotético “fracionamento da faturação de atos ou cuidados de saúde”, nem se os “serviços fornecidos não sejam descritos de forma clara”. A emissão correta da fatura é e deve continuar a ser da responsabilidade dos prestadores de saúde.
Aqui parece claro que não tendo a ADSE conseguido efetivar as regularizações com os prestadores, (e todos nos lembramos dos episódios do final do ano de 2018 com os 5 grandes prestadores de saúde privado), transfere-se agora para o beneficiário essa responsabilidade.
É caso para dizer: forte com os fracos e fraco com os fortes.
Relativamente à ADSE propomos ainda a introdução de uma norma o que, à semelhança do constante no art.º 19.º da Lei do Orçamento de Estado para 2009, estabeleça um prazo excecional de inscrição para os trabalhadores que tenham celebrado ou venham a celebrar contratos de trabalho em funções públicas, decorrentes do programa de regularização dos vínculos precários (PREVPAP).
POR FIM:
No elenco das principais medidas de política orçamental estabelece-se que: “O Governo concretiza em 2020 a primeira atualização salarial geral dos últimos dez anos (e a segunda dos últimos 20), prosseguindo a reposição de direitos e rendimentos dos trabalhadores da Administração Pública”. (Relatório OE 2020 – Índice V)
O “aumento” de 0,3% que o Governo quer dar aos trabalhadores públicos em 2020, é manifestamente insuficiente face a uma taxa de inflação prevista de 1%.
Os trabalhadores com remuneração acima do 4º nível remuneratório da TRU (635,07€) tiveram um congelamento salarial durante uma década (com uma taxa de inflação acumulada de quase 12% entre 2010 e 2019); cortes salariais durante 6 anos consecutivos; perda dos subsídios de férias e de natal em 2012 para remunerações e pensões acima dos 1.100,00€ e redução para valores entre 600€ e 1.100€; por fim cortes no descongelamento de carreiras com a reposição faseada que terminou em dezembro de 2019.
Para se ter uma ideia concreta do impacto do “aumento” salarial em 2020, utilizámos 6 casos diferentes de remunerações pertencentes às categorias de Assistente Técnico (3) e de Técnico Superior (3) que progrediram na sua carreira em 2018/19 comparado com 2010 (antes do início da progressão) (Quadro 1).
Assim, o vencimento mensal líquido de 2020 “aumenta” entre 2,29€ e 3,54€/mês face a 2019; mas, face a 2010 (antes da progressão na carreira), representa uma diminuição significativa (entre -69,83€ e -14,83€/mês) correspondendo a uma quebra salarial entre -5,6% e -1,7%, respetivamente, consoante os casos.
Isto é, o salário líquido de 2010, antes da progressão na carreira, era superior ao de 2020, após a subida de nível remuneratório.
Porquê?
Porque os descontos em IRS, CGA e ADSE eram mais baixos em 2010 do que atualmente, penalizando fortemente os trabalhadores, principalmente os que descontam para a ADSE 14 vezes por ano.
* Inclui subsídio de refeição, o qual se mantém em 4,77€/dia em 2020 (4,27€ em 2010). P/ IRS de 2020, foi utilizada a Tabela de retenção na fonte de 2019 por ainda não estar disponível a de 2020. Vencimento Líquido = Vencimento Bruto deduzido o IRS, os descontos para a SS/CGA e para a ADSE.
Em termos anuais e, já levando em linha de conta o efeito da atualização dos escalões do IRS para 2020 (de 0,3%), verifica-se que o salário líquido anual em 2020, após a progressão na carreira em 2018/19, é inferior ao de 2010 (antes da progressão), conforme fica demonstrado no Quadro 2.
* Inclui subsídio de refeição.
Os salários dos técnicos da Administração Pública manter-se-ão assim extremamente baixos.
Acresce que dos Quadro 3.3. “Principais medidas de política orçamental” e Quadro 1.2. da Caixa 1. “Evolução das remunerações na Administração Pública”, ambos do Relatório do Orçamento, indicam que o impacto acumulado do descongelamento das carreiras, revisão de carreiras e aumento salarial de 0,3% da função pública na despesa pública de 2020 é de um total de 715 milhões de € (0,32% do PIB). Só que este cálculo é em termos brutos, não menciona qual é a receita arrecadada em IRS e em contribuições para a SS/CGA provenientes do aumento dos salários. Tal como está, induz em erro. Qual é a receita? Só assim é que se pode ter uma noção do impacto líquido destas medidas na despesa (como referência, o Programa de Estabilidade previa para 2020 um impacto na receita adicional de 226 milhões de €, traduzindo-se num impacto líquido da despesa de 397 milhões de €).
A despesa com o pessoal interrompeu em 2016 o sentido descendente (reversão faseada dos cortes salariais dos funcionários públicos), mas mantém-se inferior a 1.000 milhões de € (-4,3% em termos homólogos) face à de 2010.
Despesa com o Pessoal da AP e Variação anual (Em milhões de euros)
Fontes: INE até 2018. P/ 2019 e 2020, OE-2020, Dez/19. Os valores entre parênteses correspondem a salários.
A despesa com o pessoal da AP tem mantido uma relativa estabilização nos últimos anos, situando-se em 10,8% do PIB e em quase 25% do total da despesa pública em 2020. A ligeira melhoria das remunerações do trabalho da AP no período mais recente não tem feito derrapar a despesa pública visto que tem ocorrido um processo de substituição gradual de remunerações mais elevadas dos que se aposentam por salários mais baixos dos que ingressam atualmente no sector público.
Abordagem semelhante relativamente às pensões:
Os reformados e pensionistas da Segurança Social e da CGA vão, também, ter uma quebra no seu poder de compra em 2020, visto que a atualização das pensões não será generalizada, e mesmo essa, será inferior à taxa de inflação prevista (1%).
Para 2020, o Indexante de Apoios Sociais (IAS) deverá aumentar para cerca de 439€ (435,76€ em 2019) representando uma subida homóloga de 0,7% (comparado com 1,6% em 2019), refletindo-se num acréscimo mínimo de algumas pensões.
Somente as pensões até 6*IAS (2.614,56€) terão um ligeiro “aumento” em 2020. Acima deste patamar, não terão qualquer atualização.
Porém, todos os pensionistas vão registar uma perda do poder de compra, a variar entre -1% e -0,3%, de acordo com o Quadro 3.
Fonte: Relatório do OE-2020.
Para as pensões mais baixas (mínimas), as quais tiveram uma atualização extraordinária em 2017/2018, a partir de agosto e, em 2019, desde o início do ano, a Proposta de Lei do OE-2020, através do seu artº 58º, contempla um reforço do valor destas. Neste mesmo artigo, o Governo indica que vai avaliar as regras de atribuição do Complemento Solidário para Idosos, alargando até ao segundo escalão a eliminação do impacto dos rendimentos dos filhos considerados na avaliação de recursos do requerente.
Quanto a futuros pensionistas, a idade legal da reforma sem penalizações vai manter-se nos 66 anos e 5 meses em 2020 e o corte relativo ao fator de sustentabilidade aplicável às reformas antecipadas vai acentuar-se para se situar em 15,2% em 2020 (14,7% em 2019), com exceção dos trabalhadores que se aposentam com longas carreiras contributivas e, desde 1 de outubro de 2019, dos que vão para a reforma com, cumulativamente, pelo menos 60 anos de idade e 40 anos de carreira contributiva.
Em síntese,
Uma vez que a presente Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2020 não é ainda um documento final, esperamos que na discussão em sede parlamentar se promovam as alterações necessárias que permitam uma melhoria substancial que concretize de modo equitativo o desenvolvimento social e económico do país.
De facto, não podemos deixar de notar que enquanto o impacto bruto da atualização salarial dos funcionários públicos é de 70 milhões de € em 2020, a despesa pública com o sistema financeiro remonta a 730 milhões de € (0,4% do PIB) dos quais 600 referem-se à recapitalização do Novo Banco via Fundo de Resolução e 130 estão associados aos impostos por ativos diferidos.
A Direção