Consulte a apreciação do STE  à Proposta de Orçamento do Estado para 2019

13/11/2018

Apreciação da proposta de Lei n.º 156/XIII/4.ª, que aprova o Orçamento do Estado para 2019

O Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado e Entidades com Fins Públicos (STE), vem nos termos da lei exercer o direito de apreciação da proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2019.

  1. A repetição de más práticas no processo de negociação coletiva geral anual

            A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, regula nos artigos 350º a 354º a matéria da ‘Negociação colectiva sobre o estatuto dos trabalhadores em funções públicas’.

Nos termos do n.º 2 do art.º 351.º da LTFP, a Frente Sindical coordenada pelo STE apresentou, em 31 de julho, o caderno reivindicativo contendo as propostas fundamentadas sobre as matérias objeto de negociação coletiva.

            O Governo nunca apresentou às organizações sindicais contraproposta escrita devidamente fundamentada. Na penúltima reunião negocial, a 4 de outubro de 2018, o Governo entregou o projeto de alguns artigos a incluir na proposta de Orçamento. Em 12 de outubro, o Governo deu por terminado o processo negocial. A Frente Sindical solicitou, em 12 de outubro, negociação suplementar sem que até ao momento tenha obtido resposta.

E várias são as matérias constantes da proposta de Lei que obrigatoriamente teriam de ser negociadas entre o STE – Frente Sindical e a Secretária de Estado do Emprego e da Administração Pública, em representação do Governo.

            Num claro esvaziamento da negociação coletiva, ficaram, portanto, por esclarecer e aprofundar matérias que constam da proposta de Orçamento do Estado e que se aplicam aos trabalhadores da Administração Pública.

  1. Das medidas constantes da proposta, com especial impacto nos trabalhadores públicos

2.1. Art. 19.º – valorizações remuneratórias – Descongelamento das carreiras

Desde 2010 que, os trabalhadores públicos suportaram congelamento das remunerações, cortes remuneratórios, e também, a proibição de alteração do posicionamento remuneratório obrigatório na sequência de avaliação do desempenho ou do decurso de determinado período de tempo.

Em 2018, depois de Portugal ter saído do procedimento por défice excessivo em junho de 2017, e quando os trabalhadores esperavam que a lei que regula a sua relação laboral – LTFP, voltaria a aplicar-se-lhes sem o corte de qualquer direito, o Governo vem, através de um novo regime de “reposição de direitosintroduzir novos cortes remuneratórios, que se repetem, também, em 2019.

Em 2018, as progressões a concretizar em 4 momentos, ao longo de 2 anos (2018 e 2019), de acordo com o faseamento definido na Lei do OE-2018 (nº 8 do artº 18º):  25% a 1 de janeiro,  50% a 1 de setembro, 75% a 1 de maio de 2019 e 100% em dezembro. Corresponde, no primeiro ano, a um corte de 66% e, no segundo ano, um corte de 30%. Veja-se os quadros seguintes com seis exemplos.

Quanto à progressão dos trabalhadores que só em 2019 reúnem condições, tal progressão ocorrerá em 2 fases no decurso do ano: 75% a 1 de Maio e 100% em dezembro, não recebendo qualquer acréscimo remuneratório nos 4 primeiros meses de 2019, o que se traduz num corte de cerca de 45% no valor anual a receber.

 

 

Desde 2011, nos sucessivos Orçamentos do Estado, constava a previsão de que os pontos obtidos em sede de avaliação de desempenho (SIADAP) acumulados em excesso “relevam para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório”. Decorridos vários anos de proibição de valorizações remuneratórias, os trabalhadores utilizaram 10 pontos da sua avaliação para terem mais uma perda remuneratória.

Temos por isso as mais sérias dúvidas quanto a constitucionalidade destas disposições tendo em conta o princípio da igualdade e proteção da confiança. De facto:

a) Em setembro de 2011, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 396/2011, a propósito do artigo referente às reduções remuneratórias considerou:

“(…) Não custa admitir que uma redução remuneratória abrangendo universalmente o conjunto de pessoas pagas por dinheiros públicos não cai na zona de previsibilidade de comportamento dos detentores do poder decisório. O quase contínuo passado de aumentos anuais dos montantes dos vencimentos, na função pública, legitima uma expectativa consistente na manutenção, pelo menos, das remunerações percebidas e a tomada de opções e a formação de planos de vida assentes na continuidade dessa situação. As reduções agora introduzidas, na medida em que contrariam a normalidade anteriormente estabelecida pela actuação dos poderes públicos, nesta matéria, frustram expectativas fundadas. (…). Não se pode ignorar, todavia, que atravessamos reconhecidamente uma conjuntura de absoluta excepcionalidade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos.(…) Do que não pode razoavelmente duvidar-se é de que as medidas de redução remuneratória visam a salvaguarda de um interesse público que deve ser tido por prevalecente – e esta constitui a razão decisiva para rejeitar a alegação de que estamos perante uma desproteção da confiança constitucionalmente desconforme.”

b) Em julho de 2012, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 353/2012, a propósito do artigo referente à suspensão do subsídio de férias e de Natal ou equivalentes para trabalhadores e aposentados/reformados:

“(…) Apesar de se reconhecer que estamos numa gravíssima situação económico -financeira, em que o cumprimento das metas do défice público estabelecidas nos referidos memorandos de entendimento é importante para garantir a manutenção do financiamento do Estado, tais objetivos devem ser alcançados através de medidas de diminuição de despesa e ou de aumento da receita que não se traduzam numa repartição de sacrifícios excessivamente diferenciada.

 (…) A referida situação e as necessidades de eficácia das medidas adotadas para lhe fazer face não podem servir de fundamento para dispensar o legislador da sujeição aos direitos fundamentais e aos princípios estruturantes do Estado de Direito, nomeadamente a parâmetros como o princípio da igualdade proporcional. A Constituição não pode certamente ficar alheia à realidade económica e financeira e em especial à verificação de uma situação que se possa considerar como sendo de grave dificuldade. Mas ela possui uma específica autonomia normativa que impede que os objetivos económicos ou financeiros prevaleçam, sem quaisquer limites, sobre parâmetros como o da igualdade, que a Constituição defende e deve fazer cumprir.

c) Em abril de 2013, no Acórdão n.º 187/2013, a propósito das reduções remuneratórias:

“Foi entendido que, pelo lado da despesa, só a diminuição dos salários permitia conseguir resultados a curto prazo, em vista à satisfação dos compromissos com instâncias europeias e internacionais, e essa era, nesse sentido, uma medida de garantia de eficácia certa e imediata, que não poderia ser compensada, com idênticos efeitos económicos-financeiros, através da redução de despesa por via da diminuição de outros encargos ou mediante um aumento de receitas por via fiscal. (…) Quandoentramos no terceiro exercício orçamental consecutivo, que visa dar cumprimento ao programa de assistência financeira, o argumento da eficácia imediata das medidas de suspensão de subsídio não tem agora consistência valorativa suficiente para justificar o agravamento (em relação ao Orçamento de Estado para 2012) dos níveis remuneratórios dos sujeitos que auferem por verbas públicas.”

d) Em Agosto de 2014, no Acórdão º 574/2014, referente a novas reduções remuneratórias:

Ora, tais razões não justificam, à luz do princípio da igualdade, que as remunerações dos trabalhadores pagos por verbas públicas, e só destes, continuem a ser atingidas por reduções durante esses três anos. Perante a exigência de igualdade na repartição dos encargos públicos, não é constitucionalmente admissível que a estratégia de reequilíbrio das finanças públicas assente na redução da despesa por via da continuação do sacrifício daqueles mesmos trabalhadores.”

 

Mas enquanto lentamente, o Governo faz um esforço para repor os direitos que haviam sido suspensos, vai criando outras prestações pecuniárias, e outros instrumentos a que chama “de gestão”, como os previstos no art.º 20.º que não constam da lei que regula o contrato de trabalho em funções públicas, que não foram negociados com as organizações sindicais e que com muita dificuldade enquadramos no regime actual sem alterações que o tornem mais transparente, isto quando em relação ao prémio de desempenho se aplica, também, um corte de 50%.

2.2.      artigo 20.º – incentivos à eficiência e inovação na gestão pública

Este artigo encontra-se redigido de forma genérica. Do Relatório do Orçamento do Estado apenas resulta o seguinte:

“Registe-se, também, a implementação dos Sistemas de Incentivos à Eficiência e à Inovação na Gestão Pública para a promoção de práticas inovadoras de gestão, podendo as iniciativas de inovação ter como finalidade, designadamente, a motivação dos trabalhadores através do envolvimento dos mesmos na melhoria do funcionamento dos serviços; no desenvolvimento de metodologias de captura, gestão e transferência de conhecimento, em particular a transferência intergeracional, a promoção da melhoria das condições de vida dos trabalhadores, nomeadamente através de instrumentos de conciliação da vida profissional e pessoal, e na melhoria do bem-estar, através de programas de saúde ocupacional”

Mais uma vez, não podemos concordar com o regime que abre a porta a uma total desregulação das remunerações, contrária ao regime atual e ao propósito que determinou a criação da Tabela Remuneratória Única. Acresce que o que se exige ao trabalhador não é compatível com a constante supressão/suspensão dos seus direitos, nomeadamente o pagamento das valorizações remuneratórias “em prestações”.

2.3.      Artigo 22.º- objetivos para a gestão dos trabalhadores

Saudamos todas as medidas que visem o reforço dos direitos de maternidade e paternidade. Aprofundar a proteção das crianças, a proteção das famílias e promoção da natalidade, devem ser prioridades de qualquer nação.

No entanto é essencial que se preveja neste artigo que a adoção dos instrumentos legaisque permitam abordar as necessidades diferenciadas dos trabalhadores, deve depender da vontade e concordância expressa do trabalhador. A não ser assim estes instrumentos podem ser utilizados de forma perversa, por imposição do superior hierárquico, contra a vontade/interesse do trabalhador.

2.4.      Artigo 23.º – Qualificação dos trabalhadores

Louvamos a introdução do preceito, embora quanto a esta matéria devam ser tidos em conta os princípios da formação profissional, nomeadamente os princípios da universalidade e igualdade de acesso, constante do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 86-A/2016, de 29 de dezembro. Esta matéria não foi objeto de negociação coletiva como determina a lei.

2.5.      Artigo 28.º- registos e notariado

Ainda não se encontram concluídos o novo estatuto das carreiras dos conservadores, notários e oficiais dos registos e do notariado e a revisão do respetivo sistema remuneratório cuja fixação anual, é feita transitoriamente pela Portaria n.º 1448/2001.

Entendemos que o Governo deverá assumir definitivamente como uma questão relevante a conclusão deste processo negocial, há muito pendente.

2.6.      Artigo 90.º – Regime de flexibilização da idade de acesso à pensão

            Não se compreende qual a razão para que este regime se aplique aos trabalhadores públicos que desde 2006 estão no regime geral da Segurança Social e não se aplique aos restantes trabalhadores públicos que estão no regime de protecção social convergente (CGA).

Propomos que o regime seja ainda aplicado aos que têm idade superior a 60 anos que iniciaram carreira contributiva mais tarde por motivos de conclusão de percursos académicos. A possibilidade de aposentação antecipada permite a renovação geracional na Administração Pública.

2.7.      Artigo 266º- alteração à ltfp

Prevê-se uma alteração da tramitação do procedimento concursal. Consideramos que nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 350.º da LTFP esta matéria é objeto de negociação coletiva o que não aconteceu.

            Prevê-se ainda a revogação do art. 39.º e o aditamento do art. 39.º-A, pelo que, o Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública será substituído por um Programa de Capacitação Avançada para trabalhadores em funções públicas. Nos termos da al. g) do n.º 1 do art. 350.º, a “formação e aperfeiçoamento profissional” são obrigatoriamente objeto de negociação coletiva. Acresce que nos termos do art. 26.º do Decreto-Lei n.º 86-A/2016, de 29 de dezembro, que define o regime da formação profissional na Administração Pública, prevê a criação do Conselho Geral de Formação Profissional, cujas competências, enquanto órgão consultivo, estão definidas no art. 26.º- Este órgão nunca chegou a ser criado. Assim, deve esta matéria ser objeto de negociação em sede própria.

  1. Das restantes medidas do Orçamento do Estado

4.1.      Art. 4.º – Utilização condicionada das dotações orçamentais

Importa clarificar e referir de forma expressa que as receitas do Instituto Público de Gestão Participada (ADSE), integralmente constituídas pela quotização dos beneficiários titulares ficam excepcionadas das cativações.

  1. As ausências mais significativas deste OE

5.1.      Não existem quaisquer referências acerca de possíveis alterações da Tabela Remuneratória Única (TRU), sabendo à partida que o aumento do salário mínimo para 2019 (previsto ser pelo menos de 600€/mês, mais 20€ do que em 2018) vai certamente obrigar a posicionar o nível 3 da TRU (atualmente de 583,58€) como o novo patamar mínimo salarial da Administração Pública, levando à subida do salário de alguns trabalhadores da carreira de assistente operacional, nomeadamente dos que têm um salário entre 580€ e 600€/mês.

5.2.      Também, não consta qualquer informação acerca do subsídio de refeição diário, atualmente de € 4,77, mantendo-se neste nível desde agosto de 2017 (apenas mais 0,50€ face a 2009). Montante esse claramente desajustado face aos valores atuais dos preços das refeições nos cafés e restaurantes, empolados, de certa forma pelo efeito do turismo. Os preços deste tipo de bens aumentaram, em média, 2,6% no conjunto dos nove primeiros meses de 2018, muito acima da taxa de inflação global (1,1%).

Em síntese:

Não obstante, conforme se afirma, no Relatório do Orçamento do Estado para 2019, que a presente proposta prossegue “a reposição de direitos e rendimentos dos trabalhadores da Administração Pública”, não podemos deixar de constatar que mais uma vez este Orçamento do Estado opta por não repor a totalidade do regime legal constante, nomeadamente, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aplicável aos trabalhadores públicos.

De facto, o Governo altera/suspende, uma vez mais, o regime aplicável aos trabalhadores públicos, nomeadamente no que se refere à alteração do posicionamento remuneratório, prevendo concomitantemente a criação de novo regimes, nomeadamente os incentivos à eficiência e à inovação na gestão pública.

       Esta tem sido a escolha política dos vários Governos desde 2011. O regime laboral dos trabalhadores públicos tem sido anualmente suspenso, designadamente no que às remunerações e outras prestações pecuniárias diz respeito: congelamento da progressão na carreira, suspensão do pagamento do subsídio de férias e de natal para alguns trabalhadores, pagamento do subsídio de natal em duodécimos para outros, diminuição do pagamento do trabalho suplementar e diminuição do pagamento das ajudas de custo,

Decorridos 10 anos, desde o início desta incerteza jurídica e profundamente alterado o contexto económico (Programa de Assistência Económica e Financeira entre 2011-2014 e o Procedimento por Défice Excessivo até junho de 2017), é essencial que se volte a garantir aos trabalhadores públicos a retoma plena do seu regime jurídico, sob pena de ser violado o princípio da igualdade e da proteção da confiança dos trabalhadores públicos.

Este Orçamento certamente respeitará as metas orçamentais do Programa de Estabilidade, mas, mais uma vez, com um esforço acrescido dos trabalhadores públicos.

Eis a apreciação da proposta apresentada, solicitando desde já a V. Exa. o agendamento de uma audiência no âmbito da discussão da mesma.

Pela Direção

(Maria Helena Rodrigues)